“Hoje nós comemos pouquíssimas coisas. No Brasil e no mundo, nossa alimentação é baseada em poucas espécies convencionais. Isso é muito negativo do ponto de vista nutricional. Se conseguirmos fazer novos alimentos chegarem à mesa das pessoas, teremos uma diversificação de nutrientes e de opções alimentares”, diz à BBC News Brasil a etnobióloga pernambucana Patrícia Medeiros, que acaba de receber em Paris um importante prêmio científico internacional por suas pesquisas que visam popularizar o consumo de plantas silvestres para diversificar a dieta dos brasileiros.
Ela foi uma das 15 ganhadoras, selecionadas por um júri de especialistas de vários países, a receber o prêmio International Rising Talents, concedido a jovens cientistas mulheres pela Fundação L’Oréal em parceria com a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). Medeiros recebeu 15 mil euros (cerca de R$ 84 mil) para investir em seus estudos.
Medeiros, que tem um doutorado pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e leciona Agroecologia e Engenharia Florestal na Universidade Federal de Alagoas (UFAL), estuda as relações entre as pessoas e plantas. Ela se interessou pelas plantas alimentícias não convencionais (as chamadas PANCs) motivada pelo desejo de trabalhar com as comunidades extrativistas e auxiliá-las a ampliar sua renda.
As plantas não convencionais são aquelas que não são conhecidas nos centros urbanos. Muitas delas são vendidas em feiras locais, como no interior do Alagoas, diz ela, mas nem chegam à capital.
Suas pesquisas têm como base um tripé que leva em conta aspectos ecológicos (o manejo sustentável das plantas e frutas silvestres), sociais e nutricionais.
O objetivo é derrubar as barreiras que limitam o consumo de alimentos poucos conhecidos em centros urbanos ou subaproveitados como o araçá, jenipapo, taioba, cambuí, ouricori e pimenta rosa, entre outros.
Primeiro, ela identifica, junto às comunidades locais, quais espécies têm potencial para se tornarem mais populares. Depois, realiza estudos ecológicos e com consumidores para descobrir quais são as plantas silvestres mais aceitas, qual é o público-alvo (perfil de potenciais compradores), quais as melhores estratégias, inclusive de marketing, para apresentar esses produtos e para que eles cheguem aos centros urbanos.
Ela costuma, por exemplo, fazer associações para entender como as pessoas escolhem o que vão comer, se é pelo nome, pela aparência ou pelo cheiro.
O objetivo de Medeiros é auxiliar pequenos agricultores a identificar, divulgar e comercializar plantas e frutas silvestres.
“A popularização dessas plantas vai ampliar a renda das comunidades”, diz a cientista, acrescentando que ao mesmo tempo isso permite diversificar os nutrientes e as opções alimentares, algo que ela afirma ser fundamental.
“Estudos mostram que os alimentos convencionais têm deficiências de certos micronutrientes, como ferro e cálcio, minerais que precisamos na nossa alimentação. Pesquisas também indicam que as plantas silvestres têm muitos micronutrientes. Então seria uma forma de diversificar e não de substituir os produtos tradicionais”, afirma a jovem cientista, de 35 anos.
Os araçás, por exemplo, têm altos teores de vitamina C. Já o jenipapo é altamente energético e tem uma quantidade interessante de certos micronutrientes, como ferro é cálcio. Além disso, há pesquisas em curso que indicam que o jenipapo teria propriedades funcionais e auxiliaria a evitar algumas doenças.
“Cada uma dessas plantas tem um perfil nutricional diferente. Se conseguirmos incrementar a dieta com várias delas, podemos ter um espectro grande na alimentação”, ressalta Medeiros.
Segundo ela, o Brasil ainda aproveita pouco seu potencial alimentar. Isso se dá pelo receio da população de consumir o que não é convencional. É a chamada “neofobia alimentar”, o medo de comer coisas novas.
Seu trabalho também inclui estratégias para driblar a neofobia alimentar que pode desestimular o consumo de plantas silvestres e de espécies frutíferas selvagens.
“É necessário diversificar para não sobrecarregar determinadas cadeias de alimentos. Esse é o ponto chave”, destaca.
Mudanças climáticas
As pesquisas de Medeiros foram premiadas, segundo a Fundação L’Oréal, porque além de incluir novos produtos na alimentação, promovem a biodiversidade e a segurança alimentar, já que essas plantas são mais adaptadas aos seus ambientes, e reduzem ainda a necessidade de agrotóxicos e de fertilizantes devido ao fato de nascerem na natureza.
A cientista pernambucana, que faz suas pesquisas em áreas de restinga da costa brasileira, diz que é necessário ainda diversificar a alimentação por conta das mudanças climáticas.
Segundo ela, não se sabe o que ocorrerá nas próximas décadas e quais são os alimentos da agricultura convencional que estariam ameaçados e quais são as alternativas possíveis.
“Quanto mais diversas forem nossas opções alimentares, há mais chances de ter elementos com os quais contar no futuro incerto. Há espécies mais resistentes às altas temperaturas e, principalmente, à ausência de chuvas.”
Ela afirma que estudos indicam que nos próximos 30 ou 50 anos o espaçamento entre as chuvas pode aumentar, o que causará problemas, sobretudo para a agricultura familiar, que muitas vezes conta com a água da chuva como principal fonte de irrigação.
Agricultura familiar
Para a cientista, que tem entre seus alunos trabalhadores rurais assentados, beneficiados pela reforma agrária, a agricultura familiar, que inclui os extrativistas, “é essencial para o provimento de alimentos de qualidade.”.
Ela diz que há preconceitos no Brasil em relação ao Movimento dos Sem Terra, mas são eles, defende, que produzem alimentos de qualidade e que “estão na vanguarda”, representando “a chave para a transição para uma agricultura mais sustentável”.
Medeiros afirma que o governo brasileiro privilegia muito mais o agronegócio e deveria ter mais ações voltadas para os agricultores familiares, que têm, em sua visão, uma participação importante na produção de alimentos no Brasil.
A cientista pernambucana, que havia vencido a edição nacional do prêmio da Fundação L’Oréal e, por causa disso, pôde concorrer à premiação internacional, conseguiu avançar em seu trabalho graças ao apoio financeiro do “Rising Talents” (Talentos Promissores, em tradução livre). “Isso me deu a possibilidade de fazer minha pesquisa da melhor maneira possível”, afirma.
“Não conheço muitos pesquisadores felizes no Brasil. Não temos financiamento. Os cientistas não estão conseguindo fazer suas pesquisas”, lamenta ela, acrescentando que os investimentos na área caíram consideravelmente nos últimos anos.
“Tem muitos pesquisadores que precisam de insumo, de material, de reagentes, que estão parados. A situação está seríssima. Precisamos prensar com urgência o que queremos para o país”, afirma.
“Um país que não tem ciência nem educação de qualidade não vai ter um protagonismo mundial no futuro. Para que esse protagonismo exista, é preciso ter cidadãos muito bem educados e uma ciência forte e ativa”, acrescenta Medeiros.
Em meio às dificuldades gerais da pesquisa científica no Brasil, as mulheres cientistas ainda são mais afetadas e enfrentam vários desafios, diz.
Segundo Medeiros, elas sofrem desvantagens como o fato de ocupar menos cargos de importância em instituições acadêmicas e, por falta de apoio, têm menos tempo para se dedicar ao trabalho quando se tornam mães, o que não foi o seu caso.
“Algumas desistem de continuar as pesquisas e acabam apenas lecionando. É preciso uma mudança da sociedade e das instituições”, afirma.
“O mundo precisa de ciência e a ciência precisa de mulheres”, diz a Fundação L’Oréal, que apoia e capacita mulheres em três áreas: pesquisa científica, beleza inclusiva e mudanças climáticas.
Portais
Fortaleça no merch!
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Muito bom.
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Aqui no pátio tem uma Orapronobis, de vez enquando algumas folhas é bem nutritiva.Luz p’ra nós.👍
irmao q legal!!! Lpn
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