A nomeação de Mitsuko Tottori como a nova CEO da Japan Airlines (JAL) causou uma onda de choque em todo o setor corporativo do Japão.
Tottori não é apenas a primeira mulher a liderar a companhia aérea: ela iniciou a carreira como comissária de voo.
À época, as manchetes usavam termos que iam desde “primeira mulher” e “primeira ex-comissária de bordo” a “algo incomum” e “de jeito nenhum!”
Um site até a descreveu como “uma alienígena” ou “uma mutante”, em referência ao fato de ela também ter trabalhado na Japan Air System (JAS), uma companhia aérea muito menor, comprada pela JAL há duas décadas.
“Eu não sabia que era uma mutante alienígena”, brinca Tottori, em entrevista à BBC News direto de Tóquio.
Ela não pertencia ao grupo de elite de empresários que a transportadora costumava nomear para o cargo mais importante.
Dos últimos dez homens que ocuparam o cargo, sete foram educados na melhor universidade do país. Já Tottori se formou em uma faculdade de muito menos prestígio, reservada só para mulheres.
Com a nomeação de Tottori, a JAL juntou-se ao grupo de menos de 1% das principais empresas do Japão que são lideradas por mulheres.
“Não me considero a ‘primeira mulher’ ou a ‘primeira ex-comissária de bordo’. Quero atuar como profissional, por isso não esperava receber tanta atenção.”
“Mas percebo que o público ou nossos funcionários não me veem necessariamente assim”, acrescenta ela.
A nomeação dela ocorreu apenas duas semanas depois que os comissários de bordo da JAL foram elogiados no mundo inteiro pela evacuação bem-sucedida dos passageiros de um avião, que colidiu com uma aeronave da guarda costeira durante o pouso, no início de janeiro.
O voo 516 da Japan Airlines pegou fogo após a colisão na pista do aeroporto de Haneda, em Tóquio.
Cinco dos seis tripulantes do avião menor, da guarda costeira, morreram e o capitão ficou ferido. No entanto, poucos minutos após a colisão, todas as 379 pessoas a bordo do Airbus A350-900 escaparam em segurança.
O treinamento rigoroso dos comissários de bordo da companhia aérea ganhou destaque internacional.
Como ex-comissária de bordo, Tottori aprendeu logo no início da carreira a importância da segurança no ramo da aviação.
Quatro meses depois de ela se tornar comissária de bordo em 1985, a Japan Airlines se envolveu no acidente aéreo mais mortal da história, que matou 520 pessoas no Monte Osutaka.
“Cada membro da equipe da JAL tem a oportunidade de escalar o Monte Osutaka e falar com aqueles que se lembram do acidente”, diz Tottori.
“Também exibimos destroços de aeronaves em nosso centro de promoção de segurança. Em vez de apenas ler sobre isso em um livro, olhamos com nossos próprios olhos e sentimos na nossa própria pele o que significou esse acidente.”
Embora a nomeação dela para o cargo mais alto da empresa tenha sido uma surpresa, a JAL mudou rapidamente desde que entrou em processo de falência em 2010, naquele que foi o maior fracasso empresarial do Japão fora do setor financeiro.
A companhia aérea conseguiu continuar a operar graças a um grande apoio financeiro estatal. A empresa também passou por uma reestruturação abrangente, com um novo conselho e uma gestão repaginada.
O “salvador” da JAL foi Kazuo Inamori, um monge budista aposentado, então com 77 anos. Sem a influência transformacional dele, é improvável que alguém como Tottori pudesse se tornado líder da JAL posteriormente.
Numa entrevista à BBC News em 2012, Inamori não mediu palavras para dizer que a JAL era uma empresa arrogante, que não se importava com os seus clientes.
Sob a liderança dele, a companhia aérea promoveu e deu destaque para pessoas que estavam nas operações de linha de frente, como pilotos e engenheiros.
“Eu me senti muito desconfortável, porque a empresa não parecia uma companhia privada”, declarou Inamori à época (ele morreu em 2022).
A JAL percorreu um longo caminho desde então — e a atenção que a primeira mulher presidente da empresa recebe agora não chega a surpreender.
O governo japonês tenta há quase uma década aumentar o número de mulheres que lideram empresas no país.
A meta é que um terço dos cargos de liderança nas grandes companhias sejam ocupados por mulheres até 2030 — a meta que havia sido estabelecida para 2020 não foi atingida.
“Não se trata apenas de mudar a mentalidade dos líderes empresariais, mas também é importante que as mulheres se sintam confiantes para se tornar gestoras”, afirma Tottori.
“Espero que minha posição encoraje outras mulheres a tentar coisas que antes elas tinham medo.”
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