As Paneleiras de Goiabeiras

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Paneleiras de Goiabeira é a prática artesanal de fabricação de panelas de barro, atividade econômica culturalmente enraizada na localidade de Goiabeiras, bairro de Vitória, Capital do Estado do Espírito Santo. Produto da cerâmica de origem indígena, o processo de produção das panelas de Goiabeiras conserva todas as características essenciais que a identificam como a prática dos grupos nativos das Américas, antes da chegada de europeus e africanos.

As panelas continuam sendo modeladas manualmente com o auxílio de ferramentas rudimentares, a partir de argila, sempre da mesma procedência. Depois de secas ao sol são polidas, queimadas a céu aberto e impermeabilizadas com tintura de tanino. A técnica cerâmica utilizada é reconhecida como legado cultural Tupiguarani e Una, com maior número de elementos identificados com os da tradição Una. À atividade, eminentemente feminina, é tradicionalmente repassada pelas artesãs paneleiras, através de gerações, às suas filhas, netas, sobrinhas e vizinhas, no convívio doméstico e comunitário.

Apesar das transformações urbanas ocorridas ao longo do tempo, a localidade de Goiabeiras, conhecida como Goiabeiras Velha, permanece como um reduto de ocupação antiga, os quintais repartidos com as famílias de filhos e netos, onde saber fazer estas panelas de barro é o principal elemento formador da identidade cultural daquele grupo social. O processo de produção das panelas de barro emprega tradicionalmente matérias-primas provenientes do meio natural: a argila é extraída da jazida, denominada barreiro, no Vale do Mulembá, localizado na Ilha de Vitória, que até pouco tempo era acessado por canoa; a casca de Rhysophora mangle, popularmente denominada mangue vermelho, com que é feita a tintura de tanino, é coletada diretamente do manguezal que margeia a localidade de Goiabeiras. Da mesma forma, dois dos principais instrumentos do ofício — a cuia e a vassourinha de muxinga — são feitos a partir de espécies vegetais encontradas nas proximidades. A atividade compreende diversas etapas que envolvem diferentes executantes, ficando o trabalho de coleta e transporte das matérias-primas mais frequentemente a cargo dos homens, embora ainda se encontre paneleiras que vão pessoalmente retirar o barro na jazida.

É o meio de vida de mais de cento e vinte famílias nucleares de Goiabeiras Velha, muitas das quais aparentadas entre si, e envolve um número crescente de executantes, atraídos pela demanda do produto. As panelas de Goiabeiras são quase sempre vendidas diretamente pelas paneleiras, nos locais de sua produção, geralmente nos quintais das casas ou no galpão da Associação das Paneleiras de Goiabeiras, entidade criada para encaminhar as lutas pela preservação das condições de sua produção. Estas panelas de barro são um dos elementos essenciais para a preparação de peixe, frutos do mar e da torta capixaba.

A simetria, qualidade de acabamento e eficiência das panelas de barro de Goiabeiras devem-se às peculiaridades do barro utilizado e à habilidade e conhecimento técnico de seus fabricantes. Matéria-prima da modelagem, a argila utilizada é bastante arenosa, e é essa composição do barro que condiciona o modo de fazer — sem torno, nem forno — e dota seu produto de uma série de propriedades, influindo tanto no seu aspecto quanto na rapidez da secagem, na redução da presença de rachaduras, no rápido aquecimento durante a queima e na resistência à temperatura do fogo — cerca de seiscentos graus centígrados — que não deixa que as panelas estourem na fogueira. Dá ainda à panela a propriedade de conservar o calor depois do cozimento — as moquecas são servidas borbulhando, e assim se mantêm por vários minutos.

O processo de produção das panelas compreende as seguintes etapas: extração da argila na jazida do Vale do Mulembá, preparação das bolas e transporte até o local de trabalho; escolha e/ou limpeza do barro, quando são retirados gravetos e outras impurezas e o barro é pisado até ficar mais homogêneo para ser modelado; coleta da casca de mangue- vermelho, retirada das árvores próprias do manguezal, de barco ou canoa; confecção da tintura de tanino, na qual a casca de mangue vermelho é socada e macerada pelos casqueiros (coletores) ou pelas próprias paneleiras, é posta de molho por alguns dias na água, transformando-se na tinta vermelha que vai ser aplicada nas panelas após a queima; “puxada” ou levantamento da panela, que consiste na modelagem da peça, a partir do barro escolhido, colocado sobre uma tábua; a forma é dada com as mãos, puxando/levantando o bojo, definindo a concavidade e a espessura com a cuia e modelando a borda com as mãos; com a faca são retiradas as impurezas e os excessos, com o arco; aplicação das orelhas e das alças das tampas, que são modeladas a partir de roletes de barro e fixadas nas bordas das panelas com os dedos. As paneleiras utilizam água para colar as orelhas e dar acabamento às panelas. Isto feito, as panelas são postas novamente a secar até o dia seguinte. Para modelagem do fundo a panela é retirada da tábua e virada; o fundo chato é arredondado através da remoção dos excessos com o arco; a superfície externa é alisada com a faca utilizada na limpeza e acabamento da peça. O alisamento consiste no polimento das panelas e das tampas após a secagem, pelo atrito de seixos rolados (pedra de rio) interna e externamente; depois, para a queima a céu aberto, as panelas polidas são dispostas emborcadas, apoiadas umas nas outras, sobre uma “cama” de ripas e tábuas de madeira (sobras de construção) e cobertas com lenha seca; a fogueira, que atinge cerca de seiscentos graus é acesa e mantida por aproximadamente trinta minutos, variando conforme o tamanho das panelas, que a seguir são retiradas do fogo, com uma vara com ganchos na ponta, para serem “açoitadas”. O açoite ou açoitamento consiste na pigmentação da panela com a tintura de tanino, aplicada com a vassourinha de muxinga sobre as peças em brasa. Esta etapa confere às panelas de barro de Goiabeiras sua característica coloração preta. As panelas apresentam variações de tamanho e formato, especialmente nas dimensões do diâmetro e da altura, tendo denominações específicas. À mais tradicional é chamada frigideira: rasa, com formato circular e tampa de alça, é usada para a moqueca e para a torta capixaba. É o formato mais vendido para os restaurantes, nos tamanhos para duas e quatro pessoas, a de altura média é usada para o pirão, o arroz de marisco, galinhada e outros pratos.

As paneleiras dizem que “se pode cozinhar qualquer coisa na panela de barro”, mas que “peixe e marisco tem que ser na panela de barro”. Constata-se, atualmente, o emprego da técnica em crescente variedade de panelas com outras formas — miniaturas, ovais, com elementos decorativos — além de outros objetos utilitários e ornamentais como jarros, fruteiras, formas de pizza, cinzeiros e cofres.

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