Na mitologia japonesa, Amaterasu Ōmikami é a deusa do Sol, fonte de luz e ordem no mundo. Filha de Izanagi, ela nasceu de seu olho esquerdo durante um ritual de purificação. Amaterasu é considerada ancestral da linhagem imperial japonesa e símbolo da luz que sustenta o mundo.
O mito central envolvendo Amaterasu relata um conflito com seu irmão, Susanoo, o deus das tempestades. Após uma série de transgressões, incluindo a destruição de campos de arroz e a profanação de locais sagrados, Susanoo causou a morte de uma das tecelãs de Amaterasu ao arremessar um cavalo celestial morto no tear onde ela trabalhava. Profundamente abalada, Amaterasu retirou-se para a caverna celestial Amano-Iwato, selando a entrada com uma pedra e mergulhando o mundo na escuridão.
Com a ausência da luz solar, o mundo entrou em caos. Os deuses, preocupados, reuniram-se para encontrar uma solução. O deus da sabedoria, Omoikane, propôs um plano para atrair Amaterasu de volta. A deusa Uzume, então, conhecida por sua alegria e irreverência, foi encarregada de executar a estratégia.
Uzume virou uma banheira de cabeça para baixo diante da caverna e começou a dançar sobre ela, rasgando suas roupas e expondo-se de maneira cômica. Os deuses riram ruidosamente da performance. Intrigada pelos sons de alegria, Amaterasu espiou pela entrada da caverna. Nesse momento, Uzume posicionou um espelho de bronze em uma árvore próxima. Ao ver seu reflexo no espelho, Amaterasu ficou surpresa e saiu lentamente da caverna. O deus Ame-no-Tajikarawo-no-Mikoto então fechou a caverna atrás dela, impedindo seu retorno.
Com o retorno de Amaterasu, a luz foi restaurada no mundo, e a ordem foi reestabelecida. Este mito simboliza a importância do equilíbrio entre ação e introspecção, e como a colaboração pode superar a escuridão.
Esse mito não fala apenas do Sol no céu, mas da luz que habita em cada ser. E mais ainda: fala da relação entre luz e recolhimento, entre presença e ausência, entre o mundo e o silêncio.
A caverna como espaço de transformação
O recolhimento de Amaterasu pode ser lido como uma retirada voluntária do campo das ações. Na filosofia, especialmente entre os antigos, esse gesto remete à ideia de contemplação. Na tradição platônica, por exemplo, afastar-se do mundo sensível era condição para encontrar a verdade invisível. Em muitas mitologias, descer à caverna, ao útero da terra, é um rito iniciático de morte simbólica e renascimento.
Assim, o gesto de Amaterasu pode ser interpretado como um retorno ao centro, um movimento necessário para restaurar o equilíbrio interior antes de voltar a iluminar o mundo. Seu recolhimento não é fuga, mas gesto sagrado. Não é fraqueza, mas força silenciosa.
Quando a luz se recolhe
Em tempos modernos, vivemos um culto à visibilidade constante — precisamos estar ativos, produtivos, disponíveis, brilhando. Mas os mitos nos ensinam que até o Sol precisa descansar.
O recolhimento, como o de Amaterasu, nos recorda do valor do retorno à sombra, ao silêncio, ao invisível. Ao nos retirarmos, podemos escutar o que a luz não nos deixa ver. Podemos tocar o que só cresce na escuridão: a sabedoria, a maturidade, a potência interior.
A dança que traz Amaterasu de volta — realizada pela deusa Uzume — não é uma ordem, mas uma celebração. Não a obrigam a sair: ela decide retornar, ao ver o espelho. É o reconhecimento de si mesma que a convida de volta ao mundo. Não como antes, mas transformada.
Um ensinamento para nossos dias
O mito de Amaterasu nos lembra que há tempos de brilhar e tempos de se recolher. E que o recolhimento não é o fim da luz, mas o seu recomeço. É necessário se ausentar para se reencontrar. É preciso entrar na caverna para sair dela com nova força.
Na mitologia, como na filosofia, o tempo do silêncio é sagrado. É no escuro que a semente germina. É no ventre da terra que se renasce. Amaterasu não perdeu sua luz: ela apenas precisou lembrar quem era.
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