Profissionais usam a arte para se conectar com suas origens

Cássia 15
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“A brasilidade ganha interpretações plurais nas mãos destas marcas, artistas e fotógrafos.”

O que um e-commerce de produtos indígenas pode ter em comum com uma artista que cria obras em 3D? Se a primeira impressão é de haver um abismo entre um e outro, as semelhanças são muitas se prestarmos atenção no que está por trás dos trabalhos: a busca pelas origens como principal fonte de inspiração. A seguir, contamos como artistas, estilistas e fotógrafos unem as tradições e saberes ancestrais a novas maneiras de contar suas próprias histórias.

 

Aluf

A bolsa feita com sementes de açaí e a fragrância de priprioca (erva natural da Amazônia cujo odor remete ao patchouli) das peças logo denunciam a origem paraense de Ana Luisa Fernandes, nome por trás da Aluf. A estilista, que nasceu em Belém, cresceu no Rio de Janeiro e hoje vive em São Paulo, traduz muitas de suas memórias afetivas nas criações de sua marca, que foi um dos destaques da última edição da SPFW. “Transformar minhas raízes – nossa cultura – em arte foi a forma que encontrei de mostrar o quanto sou grata por pertencer a essa terra e também de dar relevância ao meu trabalho”, diz ela. Na busca por novas formas de expressar a brasilidade, Ana Luisa encontrou o trabalho de Nise da Silveira – uma das primeiras mulheres a cursar Medicina no Brasil, discípula de Carl Jung e pioneira no estudo da arteterapia, que encara a produção artística como uma expressão do inconsciente. “A Nise lutava contra os métodos de eletrochoque e lobotomia como terapia. Era uma mulher de fibra, que nunca desistiu de seus ideais, por isso sempre digo que ela é a mulher da Aluf: é brasileira, segura de si e faz aquilo em que acredita”, define a estilista.

Para tirar a marca do papel, Ana Luisa sentia que precisava de um propósito que gerasse algum impacto positivo no mundo. Foi assim que decidiu que seus produtos seriam biodegradáveis ou feitos a partir de material reciclado. Hoje, todo o processo criativo da grife é pautado em uma sustentabilidade aplicada na prática, e não só na etiqueta. Para evitar o alto desperdício de água envolvido na etapa de tingimento dos tecidos, por exemplo, quase nenhuma peça é colorida. Outra forma que ela encontrou de promover o consumo consciente foi produzindo roupas que vão muito além de uma só estação – mas não pense que essa atemporalidade se traduza em peças básicas ou óbvias. Na Aluf, Ana Luisa brinca com proporções e volumes inesperados – caso da calça com pernas superamplas, que cria uma silhueta que remete às formas da natureza. A peça-chave? Os brincos e colares de cerâmica feitos individualmente, verdadeiras esculturas de vestir.

 

Tucum

Uma das multimarcas de artesanatos produzidos por comunidades indígenas e ribeirinhas da região amazônica: eis a Tucum, empreitada que surgiu depois que a designer Amanda Santana teve seu primeiro contato com a cultura dos Kayapós, etnia concentrada na região do Acre. O encontro aconteceu por intermédio do antropólogo e indigenista Fernando Niemeyer, seu companheiro, que trabalha na Amazônia há 15 anos. De volta ao Rio de Janeiro, a designer começou a fazer sucesso com as pulseiras feitas de miçangas que havia comprado por lá. Enxergou nisso uma oportunidade de viabilizar a comercialização desses artesanatos de forma que fosse justa para a população indígena. “Percebi que as comunidades sentiam necessidade de ter algum tipo de renda, já que também precisavam fazer compras na cidade”, explica. Hoje, além de um e-commerce, o projeto conta com uma loja física em Santa Teresa, no Rio de Janeiro, e um ponto de venda em São Paulo, na Casa Manual. Os produtos vendidos pela Tucum provêm de 30 etnias diferentes, como os Kayamurá, os Wai Wai, os Yanomami e os Huni Kuin. Entre os maiores sucessos estão os brincos de miçanga feitos pelos Kayapó.

O contato com as aldeias é quase todo feito pela internet – “a maioria é muito conectada”, esclarece Amanda –, e o objetivo é que, a partir desse ano, os povos indígenas administrem suas próprias lojas online, que serão hospedadas dentro do site da Tucum. A ideia é dar mais autonomia aos artesãos, que são, em sua maioria, mulheres – segundo a designer, elas desenvolvem cerca de 80% dos produtos. Com o artesanato, a estrutura financeira das famílias tem se invertido. Em muitas etnias, os homens exerciam profissões fora das aldeias (como professores ou agentes de saúde, por exemplo), enquanto as mulheres se viam em situação de completa dependência. Hoje, o retorno financeiro da venda das peças vira o jogo, dando a elas autonomia e poder. “É mais do que preservar as técnicas ancestrais e garantir que elas não sejam esquecidas”, diz a designer. “É também observar a troca entre os mais velhos e os mais novos, que começam a desenvolver suas próprias formas de exercer aquele ofício. A cultura não é estática, está em constante movimento. A venda do artesanato é um estímulo para que essa roda continue a girar.”

 

Rafael Pavarotti

Seu nome está por trás das capas, ensaios e campanhas de algumas das principais publicações do país. Dono de um olhar autêntico, Rafael Pavarotti começou a fotografar ainda jovem, aos 15 anos. “Peguei a câmera analógica escondido do meu pai, comprei um filme e fotografei uma amiga da escola no quintal da minha casa”, conta ele. De sua infância em Icoaraci, distrito de Belém próximo ao Rio Guajará, Pavarotti leva a intimidade com a natureza, hoje cenário recorrente em suas fotografias. “Quem nasce na Amâzonia já nasce com intimidade com o sol e a terra”, diz ele. “Venho de um lugar em que é verão o ano inteiro, e que tem o pôr-do-sol mais dourado que já vi. Por isso, meu trabalho sempre foi solar”. Para ele, não há estúdio que substitua um clique feito debaixo do sol. Modelos como Alessandra Ambrosio, Caroline Trentini e a sudanesa Adut Akech, um dos principais nomes da nova geração, já foram fotografadas pelo brasileiro, que tem em seu currículo três capas para a Vogue e campanhas para marcas como Le Lis Blanc e Paula Raia. Segundo Rafael, a tropicalidade que aparece na estética de seus registros – como referências à capoeira ou à cantora Maria Bethânia – é reflexo direto de sua ancestralidade. “O simples fato de eu estar ocupando lugares dominados por pessoas brancas já é o principal representativo da minha trajetória”, conclui.

 

Vitória Cribb

Vitória Cribb quer transformar a maneira como os corpos não-brancos são vistos. A artista visual, que vive no Rio de Janeiro, desenvolve imagens e vídeos em 3D que tratam de temas ligados à tecnologia, criando universos imaginários em que as mulheres negras são protagonistas – tudo com uma linguagem que parece saída de um filme de ficção científica, em sintonia com a estética afrofuturista de produções como o longa “Pantera Negra”, por exemplo. “É a minha forma de contribuir para que o universo digital seja cada vez menos masculino e branco”, afirma ela, que é filha de mãe brasileira e pai haitiano. Por meio da arte, ao mesmo tempo em que investiga as suas próprias origens, Vitória esbarra em estereótipos que procura quebrar – e faz isso criando a sua própria narrativa. “O meu processo criativo ainda está muito ligado a questões emocionais comuns a mulheres negras no Brasil”, diz ela, que questiona também padrões de feminilidade e de beleza. No ano passado, a artista teve uma vídeo-instalação exposta no Valongo Festival Internacional da Imagem, em Santos. Para ter uma boa perspectiva de seu trabalho, vale assistir ao vídeo “São os seus olhos”, em que Vitória investiga a relação entre a beleza e a fetichização do corpo feminino em situações de vulnerabilidade. Woman power puro.

 

Dresscoração

O gosto por se enfeitar é comum a todas as mulheres da família de Loo Nascimento. Para ela, trata-se de uma herança ancestral, que remete às mulheres de diferentes tribos do continente africano. Quando criou a grife Dresscoração, em 2012, a baiana estava morando em São Paulo, onde viveu durante 12 anos, e sentia falta de peças estampadas e ultracoloridas que traduzissem suas raízes. “Comecei a fazer roupas a partir do que eu queria vestir: queria me reafirmar como soteropolitana em São Paulo”, conta ela, que é formada em Marketing & Cool Hunting. A marca é resultado de seus garimpos, nos quais busca estampas e texturas inspiradas em padronagens típicas da África, mas feitas em tecidos nacionais. Para reforçar a estética tribal, Loo não usa nenhum aviamento nas peças que produz – “nem zíper nem botões, só o próprio tecido, que pode ser amarrado de várias formas e oferece inúmeras possibilidades a quem o veste”, define. Para a designer, a mensagem de autoconhecimento é muito forte na identidade de sua marca. “Quero trazer minha visão enquanto mulher negra e nordestina, que circula por vários lugares do Brasil”, diz. Agora de volta a Salvador, Loo antecipa um novo momento da etiqueta, mais conectado a estamparias manuais, criadas por artesãos: “Quero entregar algo que seja significativo, ao qual meninas possam olhar e se sentirem representadas”.

 

Fonte

Matéria sobre Nise da Silveira:

https://escoladelucifer.com.br/a-maluca-beleza-nise-da-silveira/

 

 

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