A Mulher e o Véu no Islã

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Quando os filósofos de Alexandria, no Egito, promoveram o sincretismo de Ísis e Palas Athena, a deusa grega da Sabedoria, o seu templo, em Saís, passou a ostentar uma máxima que veio a se tornar clássica:

“Eu sou tudo o que é e o que sempre será. Mortal algum jamais erguerá meu véu!” Ora, na condição de simples mortal, isto é, de profano não iniciado nos Mistérios, o aspirante permaneceria à margem do conhecimento, até que este lhe fosse revelado pela abertura dos “olhos espirituais”.

O véu foi originalmente introduzido nas antigas civilizações da Pérsia e da Mesopotâmia e mais tarde, na cultura greco-romana. Caracterizava o sta- tus feminino elevado, conferindo-lhe uma certa inacessibilidade. Habitual entre as mulheres judias, tornou-se, também, uma referência das damas cristãs em Bizâncio e na Idade Média ocidental. O Profeta Mohammad (s.a.w.) instituiu o uso do véu no século VI, na Arábia, para que as muçulmanas também gozassem da mesma dignidade das demais seguidoras entre os povos do Livro, isto é, da Torá e do Evangelho. Deste modo, numa época selvagem e belicosa, onde a lei mal se delineava, o véu era uma salvaguarda. Porém, mais do que isso, o seu uso simbolizava a elevação espiritual da condição feminina, assim como o turbante concedia aos homens a sacralização da cabeça. O Islão pretendeu, através do sacerdócio universal, estender a toda a Ummah (Comunidade) uma vestimenta que tornasse os fiéis iguais diante de Deus.
Portanto, o uso do véu nunca designou a submissão feminina, embora uma política gradualmente machista – muito distante da época em que as mulheres muçulmanas cavalgavam e guerreavam ao lado dos homens – refreou as suas liberdades e, na mesma medida, o seu rosto foi se tornando anônimo. Com o tempo, o véu – burkas, xadors e abayas – veio a cair nas mãos de uma intolerância patriarcal cada vez maior, tornando-se motivo de apologia entre os fundamentalistas: wahabbitas da Arábia Saudita, radicais xiitas do Irã pós-Khomeíni, talibãs afegãos e sionistas israelenses, na Palestina. Para estes, o véu se tornara uma arma de “controle e exclusão da mulher, privada de escolha quanto à sua própria indumentária”. Países como o Iraque e o Líbano, nas últimas décadas, promoveram uma progressiva libertação do corpo feminino e de seus costumes, assim eles corrompem através das mídias o sagrado circular bagunçando o equilíbrio da dualidade entre o feminino e masculino, o descontrole da energia sexual é o trunfo do sistema em nos manter em baixas frequências, tornando o ser humano sagrado em bestial.
Entretanto, hoje em dia, esta questão se reverte, pois muitas mulheres muçulmanas passaram a reivindicar o uso do véu, tanto no Oriente Médio quanto na Europa, como uma afirmação de sua identidade religiosa e como um ato de resistência cultural.
Existe, porém, ainda, uma aura profundamente sugestiva no que concerne a este tema. Os antigos beduínos perfumavam sua tenda – xador – com incenso para seduzir a futura noiva. A jovem, por sua vez, ao permitir ali a entrada de um pretendente, estava consentindo no casamento. Abrir a tenda ao amado era o mesmo que abrir o xador, pois ambas são palavras equivalentes. Envolta nas túnicas negras da região do Golfo, a mulher sabe que seu modo de vestir discreto e sombrio, o hijab – cortina -, oculta esplêndidas cores, decotes e trajes íntimos sensuais que ela só exibe aos mais próximos. Velada, pode despertar, por um lado, um fascinante sex appeal ; por outro, paradoxalmente, mantém os homens a salvo da fitna – a sedução incontrolável exercida pelos seus cabelos e pés!
A literatura sufi, medula da alma Islâmica, descreve como o louco poeta Majnum aspirou levantar uma só ponta do véu de Laila. Laila – a noite – é o nome místico universal da Amada entre os muçulmanos. Exemplifica a Realidade última do Ser, inapreensível pelos sentidos, aquela que apenas sugere a mais secreta essência de todas as coisas. De Laila nasce o dia, a luz e todas as formas da criação. Ela é a face oculta e feminina de Deus. “Abrir a tenda de Laila”, ou o xador , portanto, representa o antegozo do Paraíso e inspira imagens de suave erotismo: a permissão para o prazer que advém da espera, o êxtase da intimidade e a cupidez do silêncio que faz os amantes desfalecerem no oceano da Vida.
Grandes mistérios, assim, desafiam o tempo. O santuário da Caaba, em Meca, através dos séculos, tem permanecido coberto por um véu negro, bordado com letras douradas. Do mesmo modo, “Allah se oculta a nossos olhos com setenta mil véus de luz e escuridão. Se Ele os levantasse, o esplendor de sua face consumiria todo aquele que O visse”.
O véu e a cruz

A questão do véu, na França, e da cruz, na Itália, que parece uma polêmica sobre a liberdade religiosa, pode envolver outros aspectos mais profundos. Na França, há centenas de moças islâmicas que se apresentam na escola com o seu xador, sem ter nem causar problemas, assim como na Itália existem centenas de estudantes islâmicos que freqüentam as escolas e universidades estatais onde, pela constituição, está pregado um pequeno crucifixo.

Em setembro de 2007, duas irmãs francesas voltaram às aulas não somente com seu xador, mas vestindo a burca, roupa que veste as mulheres da cabeça aos pés deixando só pequenas frestas para os olhos e boca, causando um impacto na diretoria da escola e a sucessiva repulsa nacional. Os defensores da laicidade do país reclamaram uma lei que proíba, em todo e qualquer edifício público, sinais religiosos ostensivos, como a burca e o véu, visto que, na França, nem o crucifixo ostensivo não existe mais em nome da laicidade.

O que fazer? Se na Itália parece que permanece o problema de imigração dos muçulmanos, na França esse protesto perturba diretamente a laicidade, da qual os franceses tanto se orgulham. Preocupa e ainda não está definido qual rumo seguir: é cada vez maior o número de imigrantes muçulmanos, muitos dos quais já são cidadãos franceses, com plenos direitos.

Alguns sugerem que uma exclusão total dos símbolos muçulmanos seria a prova clara de uma profunda islamofobia da sociedade francesa, mas uma permissão criaria uma cadeia de protestos contra a laicidade da França e, talvez, a formação de uma França leiga e outra muçulmana. De outro lado, a partir de agora, será necessário conviver pacificamente com as diferentes religiões e culturas e, portanto, é necessário que o cristianismo se aprofunde e se esclareça, tornando -se capaz de acolher a todos, sem perder a si mesmo.

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