Os autorretratos escondidos de Clara Peeters

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Pouco conhecida, a história da artista Clara Peeters é caracterizada pela falta de maiores informações sobre sua vida e trajetória artística. Acredita-se que ela nasceu por volta de 1588-1590 e que viveu na cidade de Antuérpia, na Bélgica, até a segunda década do século XVII. Através de pesquisas realizadas em suas quarenta pinturas conhecidas, nota-se a influência de um contexto no qual o comércio estava em expansão e também de artistas de sua época, que se apoiavam na rica tradição do século XVI, como Jan Brueghel, Peter Paul Rubens e Van Dyck.

Suas pinturas de observação revelam uma extrema atenção aos detalhes de animais, flores, comidas e frutas, além de objetos associados à riqueza e à sofisticação, como peças de porcelana, taças e xícaras de prata dourada e talheres refinados. Assim, pode-se concluir que Clara Peeters era de uma família rica, que pintava para os aristocratas e burgueses. Em uma das pinturas, há um saleiro de prata que indica que a artista pertencia a uma classe social alta, pois o sal era somente consumido pela aristocracia antes da existência de métodos industriais de produção. Suas composições enquadram-se no gênero artístico nomeado “natureza-morta”, ou seja, pinturas com a representação de objetos inanimados geralmente de forma realista, pertencentes ao âmbito privado e à esfera doméstica, como a decoração e o convívio no interior das casas.

A artista realizou pequenos autorretratos inseridos nos reflexos dos objetos que compunham suas naturezas-mortas, encontrados em pelo menos oito de suas obras. As imagens passam quase despercebidas devido à sua pequena dimensão em relação à escala real da pintura, a dificultar, deste modo, a visualização por parte do espectador. Identificados e analisados somente muitos séculos após sua morte, esses autorretratos confirmam o nível alto de habilidade técnica de Clara Peeters em se pintar em um tamanho reduzido e detalhado. Acredita-se que sua motivação para esses autorretratos surgiu da impossibilidade de assinar suas próprias obras, visto que as mulheres não escreviam seus nomes em suas pinturas ou normalmente utilizavam um pseudônimo masculino.

“Natureza-morta com flores, um cálice de prata dourada, frutas secas, doces, palitos de pão, vinho e uma jarra de estanho” (1611), Clara Peeters.
Jarra em que Clara Peeters se pintou quatro vezes.

Além dos autorretratos, há também a pintura de uma faca em que a pintora escreve seu próprio nome e um biscoito em formato da letra “P”, possivelmente uma referência a letra inicial de seu sobrenome. Ao se pintar, a artista também enfatiza o ilusionismo da pintura, pois provoca a sensação de que realmente a vemos enquanto ela pinta.

Faca com o nome “Clara Peeters” e biscoito em formato de “P”

As mulheres não podiam frequentar um ateliê, que era a forma mais habitual e clássica de se tornar um artista, pois teriam que conviver diariamente com outros homens, o que seria inaceitável para uma jovem solteira. A formação para artistas foi limitada e o estudo do nu proibido, o que impossibilitou que elas se especializassem em outros gêneros de pintura. Além disso, como os artistas homens dedicavam-se por anos aos estudos, às mulheres não era permitida a mesma dedicação, pois ao terminarem os estudos seriam “velhas” para se casarem. Como as mulheres não tinham acesso ao ateliê e nem contato com modelos, pintavam em casa e acabaram dedicando-se à pintura de naturezas-mortas. Embora os costumes da época não permitissem mulheres pintoras em ateliês, algumas conseguiram exercer a profissão de artista profissionalmente, mas somente porque eram filhas de pintores bem-sucedidos.

A procedência das obras de Clara Peeters não é totalmente documentada e conhecida. Seu nome aparece pela primeira vez em um documento em 1627, quando uma pintura sua é listada como parte da propriedade de uma mulher chamada Lucretia de Beauvois de Rotterdam, esposa do pintor Herman Saftleven. Outra pintura da artista também foi listada em 1635 em uma coleção em Amsterdã. Esses primeiros documentos sugerem que seu nome era conhecido no norte da Holanda. Pouco depois, em 1637 (e novamente em 1655), duas pinturas de Clara Peeters foram listadas na coleção de Diego Mexía, o marquês de Leganés, em Madrid, e a localização atual dessas pinturas não é conhecida. O fato de duas naturezas-mortas de Clara Peeters estarem em sua coleção indica que eram consideradas obras de alta qualidade e em 1666 integraram a coleção real de Madrid, pertencendo atualmente ao Museu do Prado. A última obra da artista documentada no século XVII é uma pintura de pássaros registrada em uma coleção em Haarlem em 1685. No século XVIII, suas obras aparecem em oito inventários em Paris, Bonn, Bruxelas, Hannover, Hamburgo e Londres. Desse modo, todos esses dados revelam que ela tinha uma ampla rede de contatos e possivelmente exportou suas obras por meio de marchands (profissionais que negociam obras de artes).

“Natureza-morta com queijos, alcachofra e cerejas” (1625), Clara Peeters.
Autorretrato de Clara Peeters na tampa da jarra.

Em 2016, o Museu do Prado, em Madrid, realizou a exposição “A Arte de Clara Peeters”, sendo a primeira mostra do museu dedicada a uma pintora mulher. Além de quatro obras da artista pertencentes ao acervo do museu, outras onze obras foram emprestadas de diferentes museus e coleções particulares para a mostra. Uma exposição dedicada a uma mulher como pintora possui papel fundamental e simbólico, uma vez que em sua época as mulheres eram retratadas apenas por pintores homens e normalmente nuas, representadas de forma objetificada. Apesar das lutas e conquistas femininas e do aumento na representatividade das mulheres na arte, os homens sempre possuíram ampla visibilidade na produção artística e a maior parte dos museus ainda possui um acervo formado majoritariamente por artistas homens.

A história da arte aponta que as mulheres foram impedidas não somente de seguirem a carreira artística por falta de condições sociais, políticas, culturais e intelectuais, mas também de serem reconhecidas nesse domínio. Assim, Clara Peeters tornou-se um símbolo da participação feminina na arte, validando a necessidade do resgate histórico de artistas mulheres e a importância de refletir sobre as desigualdades de gênero na arte. Pioneira no campo da natureza-morta e uma das poucas mulheres artistas do início da modernidade a se dedicar à pintura, Clara Peeters ousou em se autorretratar e assinar sua obra como uma afirmação de si mesma: uma artista mulher.

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