Entre cartas de baralho e um quebra-cabeças, Joana Schossler atravessou a infância em Lajeado rodeada de brincadeiras. Hoje com 34 anos e professora de História, ela presenciou o crescimento das discussões sobre feminismo – mas, ao mesmo tempo, percebeu que ainda há pouco repertório sobre personalidades femininas.
À frente da editora Cecerelê e buscando aliar a diversão em família à causa, Joana criou dois jogos que celebram importantes mulheres brasileiras: Memorelas (2019) e Revolucionárias (2021), vencedores do 9º Festival Games for Change América Latina. A inquietação teve início em 2017, quando lecionava para alunos do Ensino Fundamental. Na ocasião, pediu que os pequenos fizessem um trabalho envolvendo pesquisa e colagem dentro da temática da Consciência Negra. De lá, saiu com um questionamento persistente: “Quem é a mulher brasileira que você admira ou pensa que merece ser lembrada?”.
— Comecei a aplicar essa pergunta para pessoas que viviam perto de mim e me dei conta de que elas não tinham a resposta na ponta da língua. Muita gente respondia o nome de um homem, ou então de personalidades estrangeiras — conta a historiadora.
Foi a partir daí que Memorelas começou a ser pensado. Arquitetado inicialmente como jogo da memória, traz imagens de 15 mulheres brasileiras, ilustradas pela designer Joana Heck. Entre os nomes, estão a escritora Carolina Maria de Jesus, a artista visual Tarsila do Amaral e a socióloga Virgínia Bicudo. Outro destaque é a presença da figura de Mercedes Baptista, a primeira bailarina negra a dançar no Theatro Municipal do Rio de Janeiro e a incorporar passos da dança afro ao balé.
Para selecionar quais personalidades integrariam a brincadeira, a historiadora usou critérios baseados na diversidade de raça, classe e profissão. Também teve o cuidado de trazer mulheres que não estão tão presentes na memória popular, para que não só a criança, mas também a família, possam ampliar seu conhecimento. De quebra, o jogo vem com um par de peças em branco, permitindo que o jogador inclua uma mulher que o inspira — podendo desenhar uma personalidade, membro da família ou, por que não, um autorretrato.
Memorelas também permite a dinâmica de jogo do mico – no qual uma das cartas é retirada e o jogador que terminar com a peça sem par perde – ou o jogo de perfil, no qual os participantes precisam dar detalhes sobre a personalidade na carta para que o outro tente adivinhar de quem se trata.
Reconhecimento nas brincadeiras
Além de conhecer importantes figuras femininas, Joana acredita que o jogo também faz com que as crianças reconheçam a importância das mulheres na sociedade.
— As crianças criam repertório maior e vão enxergar as mulheres do círculo delas e valorizá-las, entender essa representação — explica. — Vou às escolas falar do Memorelas e teve uma vez que uma criança disse: “Olha, a Clara Nunes, ela tem o mesmo sobrenome que eu, deve ser uma parente!”. Você vê um reconhecimento inicial, mas também de pertencimento, de ela se reconhecer.
Ainda buscando ressaltar a luta das mulheres brasileiras, no ano passado, outro projeto ganhou espaço: Revolucionárias, um quebra-cabeças que também reúne brasileiras emblemáticas.
Na imagem do jogo, também ilustrado por Joana Heck, manifestações de mulheres de diferentes épocas integram uma única caminhada, iniciando pelo ato de 1968 contra a ditadura militar, no Rio de Janeiro, que teve a participação de nomes como a atriz Eva Wilma (1933-2021). Além disso, são lembradas professoras que lutaram por uma educação libertadora e a Marcha das Margaridas — ação conjunta de mulheres “do campo, florestas e águas” da América Latina. Nos cartazes levantados pelas personagens na ilustração, há desde a frase “Juntas somos mais fortes” até “Quem não se movimenta não sente as correntes que a prendem”, da filósofa polonesa Rosa Luxemburgo.
A historiadora, que também criou livros de colorir, deseja seguir trabalhando na área de jogos. No primeiro semestre, deve focar em um projeto sobre questões ambientais.
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